Saúde • 14:38h • 27 de junho de 2025
Zika: 10 Anos de Luta e Legado no Brasil
Fiocruz relembra trajetória da luta compartilhada por ciência, famílias e política para enfrentar o surto desde os primeiros momentos, até recente indenização a crianças e mães vítimas da doença
Jornalista: Carolina Javera MTb 37.921 com informações de Agência Gov | Foto: Sumaia Villela / Agência Brasil

Dez anos após o surto de zika no Brasil, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) se destaca como pilar no enfrentamento e cuidado de gestantes e crianças afetadas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCZ). Desde 2015, o IFF/Fiocruz tem sido crucial na pesquisa, assistência e formulação de políticas públicas, construindo um legado científico e humanitário.
A Descoberta da SCZ e a Resposta Científica
Entre 2015 e 2016, o zika, transmitido pelo Aedes Aegypti, rapidamente foi associado ao aumento de casos de microcefalia, principalmente no Nordeste. "Pediatras notaram o aumento de crianças com microcefalia e quadros neurológicos graves. A ligação com o zika foi investigada a partir de relatos de gestantes com febre ou manchas na pele", relembra Maria Elisabeth Lopes Moreira, neonatologista do IFF/Fiocruz.
Estudos confirmaram a relação do vírus com complicações neurológicas em recém-nascidos, definindo a SCZ. A descoberta do vírus no tecido cerebral de um feto com microcefalia foi um marco. O IFF/Fiocruz acompanhou 147 gestantes, e quatro tiveram filhos com microcefalia, conforme detalhado por Maria Elisabeth. O instituto, como unidade materno-infantil da Fiocruz, liderou o cuidado, a pesquisa e a capacitação de profissionais.
Desafios e Descobertas Contínuas
Apesar do declínio da epidemia, perguntas persistem, especialmente sobre infecções assintomáticas na gestação. "Até hoje, há crianças nascidas sem sinais visíveis que, mais tarde, apresentaram atrasos no desenvolvimento. Ainda não temos um teste sorológico específico e confiável para o zika na gravidez", comenta Maria Elisabeth.
A colaboração internacional foi vital para o entendimento da síndrome. Parcerias com instituições como a London School of Hygiene & Tropical Medicine e o National Institutes of Health (NIH) permitiram o acompanhamento de longo prazo das crianças expostas ao vírus.
O Amplo Espectro da Síndrome
A SCZ vai além da microcefalia, revelando múltiplos impactos neurológicos, motores, oftalmológicos e urológicos. A neurologista infantil Tânia Saad descreve o zika como "uma catástrofe que nos forçou a acelerar o conhecimento e a colaboração interdisciplinar". Ela relata casos de crianças com perímetro cefálico de apenas 16 cm e a gravidade das sequelas neurológicas.
O vírus atacou neurônios motores primários, gerando quadros intensos de paralisia cerebral e convulsões. O uso de medicamentos como Levetiracetam e canabidiol foi incorporado ao tratamento, além de avanços em medicamentos tópicos para espasticidade.
A oftalmologista Andrea Zin destaca que a exposição ao zika na gestação causa anomalias oculares graves, exigindo triagens e acompanhamento contínuos. Na urologia, a bexiga neurogênica foi a principal sequela, com prevalência de 62% nos pacientes estudados. O diagnóstico precoce é crucial para prevenir complicações renais.
O Apoio Crucial às Famílias
A resposta à epidemia extrapolou a clínica, abordando o cuidado e a garantia de direitos. O IFF/Fiocruz criou o "Guia Prático de Direitos para profissionais de saúde e famílias de crianças com Zika vírus", oferecendo informações sobre transporte, reabilitação e benefícios. "Era urgente construir um instrumento que potencializasse essa luta cotidiana", afirma Alessandra Gomes Mendes, uma das responsáveis pelo Guia.
Profissionais como a fisioterapeuta Miriam Sá ressaltam a falta de protocolos e vagas em centros de reabilitação. "A maioria das crianças com SCZ vive com múltiplas deficiências e demanda um cuidado contínuo e altamente especializado", explica Miriam.
Comunicação Estratégica e Luta das Mães
A Coordenação de Comunicação Social (CCS) da Fiocruz teve papel estratégico no combate à desinformação, disseminando informações confiáveis. "Foi a primeira vez que enfrentamos de forma contundente o fenômeno das fake news em saúde", relembra Elisa Andries, que liderou a equipe.
Dez anos depois, mães como Nádia Silva e Suzana Marques ainda enfrentam desafios diários, como a espera por cirurgias e a falta de apoio psicológico. "Faltou acolhimento psicológico. Foi como se estivessem dizendo que meu filho estava gripado, mas meu mundo desabou", desabafa Suzana.
O grupo de mães atendido pelo IFF/Fiocruz deu origem à Associação Lotus, um espaço de acolhimento e troca de experiências. "Aqui (na Lotus) a gente escuta, a gente chora, ri, se diverte", celebra Nádia. Apesar das dificuldades, elas reforçam a necessidade de um cuidado interdisciplinar e contínuo, cobrando que o Estado assegure esses direitos. "A sociedade prefere nos rotular de guerreiras para não estender a mão. Não é heroísmo, é necessidade", conclui Nádia.
Perspectivas para o Futuro
Em 2025, o zika não domina as manchetes, mas o acompanhamento das crianças, o suporte às famílias e a pesquisa continuam prioritários. Maria Elisabeth Lopes Moreira enfatiza a necessidade de estudos de longo prazo para entender o impacto da SCZ na vida adulta das crianças. Ela também alerta para o risco de novos surtos e a importância do controle do mosquito Aedes Aegypti e do desenvolvimento de vacinas. "A pesquisa científica, com coleta sistematizada de dados, é essencial para garantir a visibilidade da situação das crianças e das famílias e para a elaboração de políticas públicas de saúde", finaliza.
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