Variedades • 14:01h • 13 de julho de 2025
Vivemos sem tempo: como a pressa revela um mal-estar psíquico coletivo
Psicanalista analisa a aceleração cotidiana como sintoma emocional e propõe pausas para reconectar o desejo e o sentido de viver
Jornalista: Luis Potenza MTb 37.357 | Com informações da Baronesa RP | Foto: Divulgação
“Não tenho tempo para nada.” A frase, tão repetida nos dias de hoje, virou um refrão normalizado em uma sociedade que nunca desacelera. Mas o que essa pressa constante esconde? Para a psicóloga e psicanalista Camila Camaratta, a sensação de urgência sem fim não é apenas resultado de agendas lotadas, mas um sintoma profundo de um mal-estar psíquico coletivo — um modo de defesa contra o contato consigo mesmo.
A pesquisa Ipsos Global Advisor de 2024 mostra que 78% dos brasileiros sentem que os dias estão mais curtos e 64% relatam dificuldades em equilibrar vida pessoal e profissional. A Organização Mundial da Saúde corrobora esse dado ao apontar o Brasil como o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população adulta convivendo com transtornos de ansiedade — o dobro da média global.
Para Camaratta, a sensação de “sem tempo” revela mais do que sobrecarga. “É um sintoma emocional. A mente, sem pausas, entra em estado de defesa. A pressa se torna um escudo contra o vazio, o silêncio e, muitas vezes, contra sentimentos que não conseguimos elaborar”, explica.
A pressa como escudo emocional
Na prática clínica, sintomas como insônia, irritabilidade e aceleração mental são expressões de conflitos internos não resolvidos. O excesso de tarefas e estímulos diários funciona como estratégia para evitar emoções difíceis. “A aceleração sem reflexão pode mascarar dores profundas, como lutos não elaborados ou culpas antigas. O tempo que falta é, muitas vezes, o espaço interno comprimido”, afirma Camaratta.
Essa percepção é respaldada por estudos da Associação Americana de Psicologia (APA), que ligam o excesso de multitarefa e a falta de descanso real ao aumento de sintomas depressivos e de ansiedade. Cada troca rápida de atenção — de um e-mail para um story, de uma planilha para uma mensagem — gera picos de estresse que mantêm o sistema nervoso em alerta constante.
A ilusão da produtividade
Em uma sociedade que transforma produtividade em identidade, sentir-se sempre ocupado se torna sinônimo de valor pessoal. Um relatório da Deloitte Human Capital Trends (2023) revelou que 59% dos trabalhadores brasileiros relatam esgotamento e 48% sentem culpa ao descansar. “Muitas pessoas só se sentem válidas quando estão ocupadas. O tempo virou uma moeda de validação social”, avalia Camaratta.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, no livro A Sociedade do Cansaço, aponta que a autoexploração é mais eficiente do que a exploração por outros, porque se disfarça de liberdade. A suposta liberdade de fazer tudo, o tempo todo, transforma o indivíduo em seu próprio algoz: permanentemente ativo e esgotado.
Entre o tempo cronológico e o tempo psíquico
A psicanálise distingue o tempo cronológico — linear, marcado pelo relógio — do tempo subjetivo e simbólico. “É possível viver 18 horas por dia cumprindo tarefas e, ainda assim, sentir que nada de essencial aconteceu”, observa Camaratta. Sem espaço para pausas, reflexão e simbolização, o tempo subjetivo desaparece. O resultado é um vazio que a pressa tenta esconder.
Donald Winnicott, psicanalista inglês, dizia que a capacidade de estar só — em segurança — é uma conquista emocional. Em um mundo que glorifica a pressa, cultivar esse espaço psíquico para simplesmente Ser, sem distrações ou expectativas, é quase revolucionário. Mas, segundo Camaratta, isso pode gerar contato com angústias que a velocidade busca silenciar.
A hiperconectividade como fuga do desejo
Na clínica, não é raro ouvir o paciente dizer que “não tem tempo nem para a terapia”. Para Camaratta, essa não é apenas uma dificuldade prática, mas um reflexo de recusa inconsciente ao contato com o próprio desejo. A hiperatividade cotidiana e a hiperconectividade constante — redes sociais, notificações, estímulos infinitos — servem como dispositivos para alienar o sujeito de si mesmo.
“Vivemos tão conectados ao mundo exterior que perdemos a escuta interna. É como se o barulho constante nos poupasse de encarar o que realmente queremos”, analisa. Nesse contexto, a tecnologia não é neutra: ajuda a manter o indivíduo distraído, afastado das perguntas essenciais — O que eu desejo? O que me move? O que me paralisa?
Uma pausa como ato de resistência
Para Camaratta, a solução não está em encaixar mais tarefas em menos tempo, mas em criar pausas reais que permitam a escuta de si. Resgatar o ócio criativo, o devaneio e até o “não fazer nada” pode ser o único caminho para expressar quem realmente se é.
“Reorganizar a relação com o tempo é um processo de autoconhecimento. Não se trata de desenvolver mais técnicas de produtividade, mas de refletir sobre o que realmente precisa estar na agenda e fazer parte da sua vida”, finaliza. Em um mundo que exige pressa, desacelerar pode ser um ato radical de cuidado e resistência subjetiva.
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