Saúde • 12:38h • 17 de novembro de 2025
Preconceito dificulta rastreio e tratamento de câncer em pessoas trans
Falta de acolhimento afasta população e atrasa diagnósticos
Jornalista: Carolina Javera MTb 37.921 com informações de Agência Brasil | Foto: Antra/Divulgação
Há pouco mais de um ano, o analista de mídias sociais Erick Venceslau recebeu uma notícia difícil: o nódulo que havia encontrado no seio era câncer — e de um tipo agressivo. O impacto do diagnóstico acabou abrindo caminho para que ele assumisse sua identidade como homem trans.
“Eu percebi que estava adoecido por tentar sufocar isso. Eu já me questionava há muito tempo, mas não avançava por falta de estabilidade financeira e pelo medo da transfobia dentro da minha própria família”, conta. A mudança veio somente depois de se mudar para outro estado, retomar a psicoterapia e iniciar o tratamento contra o câncer.
Quando Erick buscou ajuda médica, o tumor já tinha três centímetros e logo dobrou de tamanho. Ele admite que não fazia acompanhamento de rotina, mas o medo de sofrer preconceito nos serviços de saúde era um dos motivos.
“O sistema não está preparado para a gente, da comunidade LGBTQIA+. Somos excluídos porque falta preparo dos profissionais e porque sabemos o que enfrentamos”, critica. Ele lembra, ainda, situações de violência em consultas ginecológicas. “Se já não sabiam lidar com uma mulher cis lésbica, imagine com uma pessoa trans.”
A mastologista Maria Julia Calas, presidente regional da Sociedade Brasileira de Mastologia no Rio de Janeiro, confirma que relatos como o de Erick são frequentes. Segundo ela, o preconceito ocorre desde a recepção até o atendimento médico, o que afasta muitas pessoas do cuidado básico e dificulta a prevenção e o diagnóstico precoce.
Diante desse cenário, Maria Julia e a oncologista Sabrina Chagas desenvolveram o guia “Nosso Papo Colorido”, voltado para pacientes LGBTQIAPN+. Sabrina destaca que questões de gênero, raça e etnia continuam sendo negligenciadas, o que cria barreiras de acesso e falta de protocolos específicos.
Erick retirou totalmente as mamas na cirurgia, mas ainda não pode iniciar o tratamento hormonal que desejava. “É doloroso perguntar ao oncologista se posso tomar hormônio e ouvir: ‘Não sei’. Eu não sou o primeiro homem trans com câncer de mama. Já era para existir pesquisa sobre isso.”
As especialistas lembram que, apesar das lacunas, já existem orientações que médicos devem seguir. Mulheres trans, por exemplo, continuam com risco de desenvolver câncer de próstata, e a avaliação precisa considerar que a inibição hormonal reduz, mas não elimina, esse risco.
No caso do câncer de mama, homens trans que não realizaram mastectomia e mulheres trans que desenvolveram glândulas mamárias com o uso de hormônios devem manter a mamografia. Pessoas com útero precisam fazer o rastreio de HPV, principal causa de câncer do colo do útero — o que exige ambientes de cuidado mais neutros e acolhedores.
A Sociedade Brasileira de Mastologia prepara diretrizes específicas para o rastreamento do câncer de mama na população trans, em parceria com outras entidades médicas. O documento deve ser publicado no início do próximo ano.
Para Maria Julia e Sabrina, um atendimento que respeite a identidade de gênero do paciente pode evitar que doenças só sejam descobertas em estágios avançados. O preconceito, dizem, afasta as pessoas das consultas e compromete o tratamento.
Erick reforça a importância do acolhimento. Ele usa as redes sociais para falar sobre o câncer e seu processo de transição. “Tenho certeza de que 80% do sucesso do meu tratamento veio da ajuda da minha esposa e da medicina. Mas os outros 20% vieram do apoio que recebi nas redes. Pessoas que eu nem conhecia me diziam coisas que fizeram diferença. Esse apoio foi transformador.”
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