Saúde • 16:17h • 03 de março de 2025
Perda auditiva é associada a declínio cognitivo mais acelerado, mostra estudo de SP
Pesquisadoras enfatizam necessidade de prevenção da perda auditiva, especialmente na meia-idade
Agência SP | Foto: Divulgação

Escutar pior com o passar dos anos é comum. A partir dos 40, por exemplo, nossa audição já começa a ficar menos afiada para frequências mais altas, que são os sons mais agudos. Aos 60 anos, em média 12% por cento da população já terá tido uma perda importante, número que cresce para 58% aos 90. Nem por isso a perda auditiva deve ser considerada algo trivial, já que é fator de risco para outros problemas de saúde, inclusive demência. Uma pesquisa liderada pela USP amplia com dados da população brasileira um corpo de evidências cada vez mais forte sobre a associação desta perda ao declínio cognitivo, alertando que os sistemas de saúde precisam investir na prevenção.
A pesquisa foi feita com dados do Elsa-Brasil, um estudo que acompanha os participantes em diferentes momentos por vários anos. As avaliações incluíram 805 pessoas com idades iniciais de 34 a 74 anos e foram realizadas em três momentos ao longo de oito anos (2008/2010, 2012/14 e 2017/19). Todos passaram por audiometria e também por testes de desempenho cognitivo envolvendo memória, fluência verbal e função executiva, que inclui diversos processos como o raciocínio e solução de problemas. Também foram coletadas informações sobre estado de saúde e variáveis sociodemográficas como idade, sexo, raça e educação.
Após o tratamento estatístico, isolando as variáveis de saúde e estilo de vida, os dados confirmaram que houve declínio cognitivo global mais acentuado relacionado à perda auditiva. Os resultados foram publicados em artigo no Journal of Alzheimer’s Disease, trazendo como primeira autora a fonoaudióloga Alessandra Samelli, professora da Faculdade de Medicina (FM) da USP.
Alessandra destaca como um dos pontos fortes do estudo o fato de ter sido feito o chamado acompanhamento longitudinal. “Esse tipo de acompanhamento ao longo do tempo gera evidências mais robustas.” Também autora do trabalho e professora da FMUSP, a médica Claudia Suemoto ressalta que a pesquisa, além de trazer dados do contexto nacional, realizou testes de audiometria, uma maneira objetiva de medir problemas de audição – ao contrário de estudos anteriores que coletaram o dado por entrevista, ou seja, perguntando à pessoa se ela sente que a audição piorou.
Redução nos casos de demência para cada fator de risco eliminado
A Comissão Lancet sobre prevenção, intervenção e tratamento da demência mostra os fatores de risco e indica que quase metade de todos os casos de demência no mundo poderiam ser prevenidos ou retardados ao controlar 14 fatores modificáveis. Gráfico adaptado de The Lancet, Vol. 404, No. 10452. Disponível em: https://www.thelancet.com/infographics-do/dementia-risk.
Prevenção da perda
De acordo com Alessandra Samelli, os mecanismos que levam à associação entre perda auditiva e declínio cognitivo ainda precisam ser mais bem elucidados, mas os dados existentes são suficientes para incentivar um foco maior na prevenção, principalmente para grupos mais vulneráveis.
“Por exemplo, alguém que trabalhou a vida toda em ambiente com ruído e não usou adequadamente os equipamentos de proteção auditiva, muito provavelmente vai ter uma perda auditiva maior. Uma pessoa com problemas cardiovasculares também tem maiores chances de apresentar perda auditiva, pois estas doenças podem prejudicar o sistema auditivo, podendo resultar em uma queda maior da audição. Ou alguém que ao longo da vida usou muitos medicamentos que são tóxicos ao ouvido”, diz ela.
Ela acrescenta que hábitos nocivos podem ser modificados, como utilizar fones de ouvido com som alto, o que às vezes começa ainda na adolescência. “Se você diminui ou impede que esses fatores de risco aconteçam, pode diminuir a probabilidade de a pessoa ter o declínio cognitivo”, completa a fonoaudióloga.
Claudia Suemoto é outra a bater na tecla da prevenção e lembra que os estudos têm mostrado que a perda auditiva mais importante para o declínio cognitivo é a que ocorre na meia-idade, dos 40 aos 65.
“A perda numa pessoa de 70 ou 80 anos também é importante, claro. Mas dados consistentes de estudos prévios apontam que realmente a meia-idade seria uma janela importante, ou seja, o que poderia influenciar mais o declínio cognitivo é você ter começado a perder a audição na meia-idade, e não a perda que você já teve lá na frente.” Para ela, colocar o aparelho auditivo nos idosos, apesar de importante por outros aspectos, talvez não seja um meio tão eficaz de prevenir a perda cognitiva.
Menos input e mais isolamento
Uma das hipóteses mais aceitas sobre porque a perda auditiva influencia na perda cognitiva é a diminuição de estímulos ao cérebro. “Você pode pensar no cérebro como um computador que tem suas fontes de entrada, ou input. No computador são o teclado, a câmera, o microfone. E o cérebro tem suas fontes de entrada de estímulos: auditivo, visual, tátil. Então quando você tira uma fonte, principalmente a auditiva, acaba estimulando menos o cérebro e isso é um problema”, diz a médica.
“Primeiro, há menos coisa chegando fazendo com que seu cérebro trabalhe, acione a comunicação entre os neurônios. Temos estudos com ressonância magnética funcional mostrando que a pessoa que ouve menos tem áreas mais dormentes, menos ativas no cérebro, como a da linguagem.”
Além disso, explica Claudia, “secundariamente, a pessoa que ouve menos tende a se isolar, a interagir menos. Consequentemente a pessoa é menos requisitada, ela se expressa menos, porque não é capaz de entender ou funcionar num nível esperado em termos auditivos”.
Perda cognitiva: outros fatores
Especialista em envelhecimento cerebral, Claudia Suemoto conta que os dados do Elsa têm sido úteis para vários estudos que investigam fatores associados ao desenvolvimento das demências.
“Já fizemos vários estudos sobre dieta, relacionando, por exemplo, o consumo de ultraprocessados à perda cognitiva e também à depressão. E mostramos ainda em dois trabalhos a associação de problemas cardiovasculares, como aterosclerose, ao declínio cognitivo, além de fazer outras pesquisas com dados do Elsa que não se referem ao aspecto cognitivo.
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