Responsabilidade Social • 11:05h • 08 de julho de 2025
Espécies invasoras podem espalhar bactérias resistentes e ameaçar saúde pública
Pesquisa da USP alerta para papel de animais como pombos e ratos no transporte silencioso de microrganismos multirresistentes
Jornalista: Luis Potenza MTb 37.357 | Com informações do Governo de SP | Foto: Divulgação

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão chamando atenção para um risco muitas vezes negligenciado: espécies exóticas invasoras que se adaptaram a ambientes urbanos podem atuar como reservatórios silenciosos de bactérias resistentes a antibióticos. Segundo estudo da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), animais como pombos, ratos e até javalis são capazes de transportar microrganismos perigosos e contribuir para o avanço da resistência antimicrobiana, um dos maiores desafios globais de saúde pública.
Espécies exóticas invasoras (EEIs) já são conhecidas por seus impactos ambientais, como competição com espécies nativas, alteração de hábitats e desequilíbrio de cadeias alimentares. Mas além desses efeitos, elas podem carregar patógenos de suas regiões de origem ou adquirir aqueles presentes no novo ambiente invadido, ampliando o risco de transmissão para humanos e animais domésticos.
O estudo, liderado pelo doutorando Gabriel Siqueira e orientado por Marcos Bryan, do Departamento de Medicina Preventiva e Saúde Animal, revisou a literatura mundial sobre o tema. Siqueira explica que a preocupação surgiu a partir de seu mestrado, quando investigou a resistência à Escherichia coli em quatis. “Existe uma dinâmica epidemiológica que não estava sendo devidamente observada em relação ao impacto que uma bactéria pode ter quando é carreada por uma espécie invasora”, destaca.
Pássaros têm potencial de espalhar rapidamente bactérias clinicamente relevantes por longas distâncias, enquanto a questão dos invertebrados tem sido ainda mais negligenciada
Animais sinantrópicos, como pombos e ratos, são citados como exemplos claros de risco. Mesmo sem serem domesticados, eles convivem muito próximo ao ser humano, encontrando abrigo e alimento em cidades. O problema é que esses animais geralmente não apresentam sintomas ao portar bactérias resistentes, o que dificulta o monitoramento e o controle. “Se a espécie entra no nosso meio e carrega uma bactéria com genes de resistência microbiana que não são compartilhados com animais da nossa biota, ela pode se disseminar e chegar nos humanos ou nos animais domésticos”, explica Bryan.
O contato com ambientes contaminados, como redes de esgoto que recebem efluentes hospitalares, amplia ainda mais o risco. Siqueira lembra que nas cidades há uma abundância de bactérias multirresistentes devido ao uso exagerado de antibióticos e falhas no saneamento. Ele estuda atualmente a presença de patógenos resistentes em gambás na cidade de São Paulo.
O estudo também destaca que o comércio ilegal de animais exóticos é um fator importante para o surgimento de novos reservatórios de bactérias. Apesar da proibição de importação de répteis e anfíbios desde 1998 no Brasil, o controle ainda é falho, permitindo a soltura acidental ou proposital desses animais na natureza. Isso aumenta o risco do chamado spillover, quando um patógeno salta de um hospedeiro natural para outro, potencialmente chegando até os seres humanos.
Caçadores podem entrar em contato com patógenos através do consumo da carne e adquirir doença
Michele Dechoum, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e colaboradora do Instituto Hórus, explica que a relação entre espécies invasoras e doenças humanas ocorre de várias formas. Elas podem ser o próprio agente causador da doença (como o vírus da influenza), atuar como vetores (caso do mosquito Aedes aegypti), oferecer hábitat para parasitas ou funcionar como reservatórios de patógenos.
Outro fator preocupante é o efeito das mudanças climáticas, que facilita a expansão geográfica dessas espécies. À medida que se adaptam ao ambiente urbano e ocupam novos territórios, elas reduzem a diversidade de espécies nativas e a resiliência dos ecossistemas. Em contrapartida, animais domésticos e sinantrópicos também podem transmitir doenças para a fauna silvestre, criando um ciclo complexo e pouco estudado de contaminação.
Para os cientistas, enfrentar o problema requer uma abordagem integrada, conhecida como One Health (Saúde Única), que reconhece a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental. Michele Dechoum destaca que o Brasil ainda tem grande lacuna de conhecimento sobre microrganismos associados a espécies invasoras. “Como entender a magnitude desses impactos combinados — de invasões biológicas, mudanças climáticas, degradação de ambientes — na perspectiva não só da saúde humana, mas da saúde dos ecossistemas?”, questiona.
Os pesquisadores defendem o fortalecimento de políticas de biossegurança, pesquisa multidisciplinar e estratégias de prevenção para reduzir o risco de novas crises sanitárias. Siqueira conclui destacando que o Ministério da Saúde já conta com um grupo de trabalho voltado à Saúde Única, com foco específico em resistência antimicrobiana, que deve dar mais atenção a esse tema urgente.
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