Responsabilidade Social • 09:17h • 21 de junho de 2025
Envelhecer LGBTQIA+: a luta por dignidade, direitos e contra o preconceito de idade
Idosos LGBTQIA+ enfrentam preconceito, solidão, falta de assistência e invisibilidade. É preciso garantir dignidade, apoio e respeito para essa população.
Jornalista: Carolina Javera MTb 37.921 com informações da CUT | Foto: Arquivo Âncora1

Imagine enfrentar o preconceito por amar quem você ama e por ser quem você é durante a vida inteira. Agora, acrescente a essa situação o etarismo — a discriminação por conta da idade. Essa é a realidade de muitos LGBTQIA+ com mais de 50 anos no Brasil.
Para essa parcela da população, a realidade é cruel. Muitos acabam invisibilizados, sem emprego formal e sozinhos. Conseguir uma vaga no mercado de trabalho já é um desafio para a comunidade LGBTQIA+; com a idade, tudo se torna ainda mais difícil. A avaliação é de Walmir Siqueira, secretário nacional de Políticas LGBTQIA+ da CUT.
“O mercado de trabalho para a população LGBTQIA+ tem algumas particularidades, como não absorver pessoas trans. Há discriminação contra gays mais afeminados, lésbicas mais masculinizadas e, principalmente, contra pessoas trans, que enfrentam barreiras enormes para conseguir um trabalho. Se a pessoa tem mais de 50, 60 anos, tudo é ainda pior”, afirma o dirigente.
Em entrevista ao podcast Estúdio CUT, Zezinho Prado, de 71 anos, dirigente e membro do coletivo LGBTQIA+ da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e representante da entidade no Conselho Nacional de Políticas LGBTQIA+, conta que só está vivo porque é funcionário público.
"A grande maioria tem problemas familiares. E, partindo da minha experiência, eu só consegui chegar até aqui porque sou funcionário público. Sou secretário de escola. Mas se você observa o mercado, principalmente para pessoas trans, gays afeminados, lésbicas mais masculinizadas, é muito mais difícil", revela.
Ser LGBTQIA+ na velhice é, muitas vezes, sinônimo de solidão. Muitos estão sem família, não se aposentaram e acabam nas ruas ou até recorrendo ao suicídio. A ausência de apoio familiar, emprego e renda leva muitos a uma situação de vulnerabilidade. "Muitos acabam vivendo sozinhos e abandonados, por não terem família, nem emprego ou renda. Às vezes, resta apenas a rua ou o suicídio", pontua Zezinho. É um reflexo direto do preconceito e da discriminação vividos pelas gerações que passaram a vida lutando pelo direito de ser quem são.
O futuro é agora
A luta pela dignidade na velhice LGBTQIA+ não é uma pauta do futuro — é uma urgência do presente. “Muitos acham que as pessoas da comunidade LGBTQIA+ simplesmente ficam na prostituição ou em subempregos. A gente quer dar dignidade a quem enfrenta o etarismo, garantir que essa pessoa possa ter um futuro decente”, diz Walmir Siqueira.
E ele ressalta que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade, principalmente das pessoas mais jovens. “É preciso que essa juventude, principalmente essa juventude LGBTQIA+, entenda que a velhice é um destino para todos.” Ele reforça que é preciso que a consciência das pessoas mais jovens se transforme, para que a mesma situação de solidão e abandono não se repita nas próximas gerações.
Zezinho Prado, militante experiente, que atravessou tempos ainda mais violentos, diz que “sempre é tempo de somar” às lutas. A jornada por dignidade permanecerá enquanto ele possuir disposição: “enquanto eu tiver saúde, enquanto eu tiver pernas para andar, continuarei marchando, continuarei lutando, exigindo o que é direito: o respeito.”
Para ele, a juventude LGBTQIA+ de hoje só terá um futuro digno se o país começar, neste momento, a apoiar quem já chegou à velhice sem assistência. “É preciso romper com o ciclo de abandono, investir em políticas públicas intersetoriais e respeitar a diversidade em todas as fases da vida”, diz.
No centro do debate
Ainda que os direitos LGBTQIA+ tenham ganhado visibilidade nas últimas décadas, pouca atenção é dada às experiências na terceira idade. Invisibilidade, solidão, abandono, dificuldade de acesso à saúde e exclusão do mercado de trabalho estão presentes na vida de muitos idosos LGBTQIA+.
A falta de dados específicos torna ainda mais complexo o enfrentamento dessa situação. Não temos números exatos sobre essa população, o que torna a formulação de políticas públicas um grande desafio, perpetuando a invisibilidade e aumentando o desamparo institucional.
A negligência se revela já nos censos e nas pesquisas populacionais, que raramente incluem um recorte de idade junto às identidades de gênero e às orientações sexuais. Isso se estende também às redes de assistência social e de saúde, que não estão preparadas para atender às demandas específicas dessa população.
Dados da All Out (2022) apontam que 48% dos idosos LGBTQIA+ relatam solidão extrema. O Grupo Arco-Íris (2023) revela que 70% temem sofrer discriminação nas casas de repouso. Apenas 12% das instituições de acolhimento no Brasil vêm implementando protocolos específicos de atendimento, de acordo com o Ministério da Saúde.
- 48% dos idosos LGBTQIA+ relatam solidão extrema (All Out, 2022).
- 70% temem sofrer discriminação nas casas de repouso (Grupo Arco-Íris, 2023).
- Apenas 12% das instituições de acolhimento vêm implementando protocolos específicos (Ministério da Saúde, 2021).
Saúde e abandono
No campo da saúde, o cenário é alarmante. A população LGBTQIA+ idosa enfrenta serviços despreparados, falta de capacitação dos agentes e, muitas vezes, tratamento discriminatório, que afasta essas pessoas do atendimento básico e especializado. Homens trans que precisam de um médico ginecologista, mulheres trans em tratamento hormonal e outras condições exigem um atendimento específico que nem sempre é ofertado com dignidade e respeito.
“O SUS é bom, é necessário, temos de defendê-lo sempre. Mas o SUS ainda não está preparado para as nossas demandas. É preciso cobrar essa mudança”, diz Walmir Siqueira.
O sofrimento psíquico é agravado pelo isolamento. Sem apoio familiar, muitos idosos LGBTQIA+ estão expostos à depressão, à ansiedade e a outras doenças mentais — problemas que estão invisibilizados pelas políticas públicas e pelas comunidades que os rodeiam.
Cultura e arte
A visibilidade e a representatividade de artistas e personalidades públicas também ajudam na mudança de consciência. Nomes como Ney Matogrosso, de 82 anos, que continua a inspirar, mostrando que é possível uma velhice ativa e respeitada.
Outros exemplos estão nas trajetórias de Angela Ro Ro, 74 anos — uma das primeiras artistas públicas a se declarar lésbica — e de Laerte Coutinho, 73, mulher trans, cartunista, chargista e roteirista, que é uma das mais importantes vozes na arte gráfica brasileira.
Ícones pop como Cher e Madonna, ambas com mais de 60 anos, vêm compartilhando suas experiências, sendo porta-vozes dessa resistência.
A arte, a cultura e a presença de figuras LGBTQIA+ em posições públicas, como nas assembleias, nas câmaras de vereadores ou nas comunidades, ajudam a consolidar o caminho para que todos vivam com dignidade, independentemente da idade.
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