Economia • 08:19h • 22 de maio de 2025
Contratos de trabalho por hora em supermercados aumentam precarização
Debate sobre vagas em supermercados expõe salários baixos, jornada exaustiva e propostas polêmicas como o trabalho intermitente.
Jornalista: Carolina Javera MTb 37.921 com informações de Agência Brasil | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Um supermercado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, está contratando. São cinco vagas para operador de caixa, com salário a partir de R$ 1.600, vale-transporte e refeição no local. A jornada é no regime 6x1 (seis dias trabalhados para um de folga), e os funcionários também podem ser chamados a realizar outras funções, como reposição de mercadorias, limpeza e organização.
Anúncios como esse são comuns em sites de emprego por todo o Brasil, com condições semelhantes de carga horária, funções múltiplas e salários que, muitas vezes, mal ultrapassam o mínimo.
Na semana passada, empresários do setor supermercadista, reunidos em São Paulo, apontaram dificuldade para preencher 35 mil vagas abertas no estado. Uma das soluções propostas por eles seria o regime de trabalho por hora — ou trabalho intermitente — como forma de atrair especialmente os jovens, que, segundo os empresários, buscam mais flexibilidade e modernidade.
Mas especialistas e sindicatos não compartilham da mesma visão.
Salário não cobre o básico
A matemática não fecha para quem vive com os salários médios oferecidos no setor. O piso da vaga anunciada é de R$ 1.600, pouco acima do salário mínimo atual de R$ 1.518. Com o desconto previdenciário de 7,5% (INSS), o valor líquido cai para cerca de R$ 1.404.
Em Nova Iguaçu, um apartamento de 50 m² com um quarto, no centro da cidade, não sai por menos de R$ 900, segundo uma busca rápida em sites de imóveis. Já a cesta básica ideal para uma alimentação saudável custa R$ 432 por pessoa, conforme levantamento do Instituto Pacto Contra a Fome. Somando luz (entre R$ 100 e R$ 200), o orçamento mensal já ultrapassa R$ 1.432 — sem incluir despesas com transporte, celular, internet, farmácia, roupas, lazer, educação ou cuidados pessoais.
“Trabalhadores nessas condições ou se endividam, ou precisam complementar a renda. E, como a escala é 6x1, o único dia de folga acaba sendo usado para outro trabalho. Isso cria um ciclo de precarização”, avalia Flávia Uchôa de Oliveira, doutora em Psicologia Social do Trabalho e professora da UFF.
Ela está conduzindo uma pesquisa sobre o impacto da escala 6x1 e já antecipa parte dos achados: “Os trabalhadores associam esse modelo a adoecimento físico e mental. É preocupante o número de pessoas que recorrem a ansiolíticos, antidepressivos e analgésicos para aguentar a rotina.”
Trabalho intermitente: o que é e por que divide opiniões
O trabalho intermitente foi incluído na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após a reforma trabalhista de 2017. Em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou sua constitucionalidade.
Nesse modelo, o vínculo com a empresa é formal, com registro em carteira, mas não há garantia de jornada nem de salário fixo. O trabalhador só é convocado quando a empresa precisa, e recebe proporcionalmente às horas trabalhadas. Os direitos trabalhistas, como férias, 13º, FGTS e INSS, também são proporcionais.
Todas as profissões podem ser contratadas nesse modelo, com exceção dos aeronautas, que seguem legislação própria.
Para a economista Alanna Santos de Oliveira, do Centro de Estudos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), esse tipo de contrato fragiliza a condição do trabalhador. “Ele não tem previsibilidade, nem de jornada, nem de renda. Para ganhar mais que um funcionário fixo, teria que manter ao menos três contratos diferentes — o que é difícil de acontecer.”
Além da instabilidade financeira, ela destaca o risco de exclusão de direitos como o seguro-desemprego e o abono salarial. “O trabalhador precisa estar sempre à disposição, sem saber quando ou quanto vai trabalhar, o que compromete todo o seu planejamento de vida.”
A precarização por trás da "flexibilização"
Apesar de ser legal e considerado constitucional, o trabalho intermitente é criticado por estudiosos como forma de precarização do trabalho.
“Insegurança, instabilidade, baixa remuneração, proteção social limitada, acesso restrito à seguridade social, dificuldade de organização sindical... Tudo isso define a precarização”, diz Alanna Oliveira.
A psicóloga Flávia Uchôa aponta que expressões como “flexibilização”, “modernização” e “empreendedorismo” são frequentemente usadas para justificar a retirada de direitos e o enfraquecimento das leis trabalhistas. “A juventude está entre dois caminhos difíceis: a informalidade do ‘empreendedorismo’ sem estrutura ou o trabalho intermitente, sem garantias. Não estamos falando de empresários com crédito e planejamento, mas de trabalhadores que sobrevivem com trabalhos precários.”
Fim da escala 6x1: uma proposta em debate
Sindicatos que representam trabalhadores do comércio se opõem ao modelo intermitente e defendem a redução da jornada semanal, sem corte salarial. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), Luiz Carlos Motta, é enfático: “Acabar com a escala 6x1 é uma forma de garantir mais qualidade de vida para o trabalhador. Setores que adotarem jornadas mais justas tendem a ganhar em produtividade.”
Márcio Ayer, presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, é ainda mais direto: “A juventude trabalhadora não aguenta mais essa escravidão moderna. Receber um salário de fome, trabalhar dez horas por dia, enfrentar transporte público lotado e ainda lidar com pisos salariais miseráveis. Isso precisa mudar.”
Segundo ele, os jovens querem dignidade. “Desejam estudar, ter tempo com a família, descansar, ter lazer. É preciso valorizar quem sustenta a economia do país.”
E os lucros do setor?
O argumento de que o fim da escala 6x1 poderia causar prejuízo aos supermercados também é questionado. “No ano passado, enquanto o PIB brasileiro cresceu 3,4%, o setor supermercadista avançou 6,5%. Não estamos falando dos pequenos mercados, mas das grandes redes”, ressalta Alanna Oliveira.
Ela defende que, diante dos lucros crescentes e das boas projeções para o setor, não há justificativa econômica sólida para manter jornadas exaustivas e salários tão baixos. “O debate precisa considerar o bem-estar dos trabalhadores e os impactos sociais da precarização.”
Aviso legal
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, integral ou parcial, do conteúdo textual e das imagens deste site. Para mais informações sobre licenciamento de conteúdo, entre em contato conosco.
Últimas Notícias
As mais lidas
Ciência e Tecnologia
Como se preparar para o primeiro apagão cibernético de 2025
Especialistas alertam para a necessidade de estratégias robustas para mitigar os impactos de um possível colapso digital

Ciência e Tecnologia
As principais mudanças no algoritmo do Instagram em 2025 e como usá-las a seu favor